Todos os dias, sem intervalo, os dedos mindinhos sangravam. Era o preço
que pagava por ter mindinhos tímidos. É, isso mesmo! Tímidos! Suas
cabeças são para baixo e sempre entravam em atrito com o carpete. Hoje
em dia só ando de chinelos em casa e é tudo azulejado, pois também
atacava meu nariz. E, além disso, as únicas coisas que o machucam são
sapatilhas em dias de chuva e raros saltinhos, só que esses também pegam
atrás, aí viram bolhas quentes e dolorosas, mas enfim, só machucavam
porque eu era feliz. Ai...éééé, não torce o nariz! É que eles entravam
em atrito de tanto eu dançar em frente ao espelho que tinha no corredor
da casa velha. Uma de quando eu era pequena, eu amava machucar meus
dedos naquele carpete marrom. Que saudade. Apesar de tudo, lembrando
agora, aquela casa tem muita história, muita mesmo. A gente mudou pra lá
de verdade depois que a outra parte da família saiu, acho que eu tinha
uns oito ou nove anos.
Tinha
dois quartos, um dentro do outro, um banheiro gigantesco, dava até para
brincar de pega – pega, a sala, a cozinha, com azulejos verdes com
preto (hahaha, eram horríveis!), o corredor em frente ao banheiro, bem
pequeno, com um espelho grande, que a gente tem até hoje, a lavanderia,
um quartinho de bagunça, que eu não entrava nem por decreto, o quintal
todo de cimento, também gigantesco, o portão azul e o jardim cheio de
mato, só com um pé de cana e um de romã. E mesmo assim, eu acho que eu
nunca comi romã...não lembro.
Na
verdade, lembrei da casa muito por acaso. O que sinto falta mesmo é dos
meus dedinhos machucados. Minha mãe ia dormir e eu continuava dançando,
até eu deitar no sofá, pegar no sono e ir para cama. E isso toooodos os
dias. Só sentia as consequências nas manhãs corridas e chatas dos meus
dias.
Depois,
eu dançava na sala, depois na sala do apartamento....até que aos poucos
eu fui perdendo o ar e o meu tempo com responsabilidades. Mas é bom
lembrar...só não gosto muito de ver meus mindinhos sem sangrar.